A Contabilidade da Vida: Quanto vale?
Durante o período de declaração do Imposto de Renda, somos conduzidos a uma profunda imersão na vida financeira das pessoas. Analisamos rendimentos, bens, dívidas, deduções… É como se abríssemos um extrato detalhado da jornada de cada contribuinte. Mas, por trás desses números, inevitavelmente surge uma reflexão: qual é o valor real daquilo que não se declara?
Na contabilidade da vida, existe um bem que se comporta de forma única. Ele não aparece nas planilhas tradicionais, não pode ser acumulado em investimentos, tampouco resgatado depois de utilizado. Seu valor cresce à medida que se torna mais escasso. E, justamente por isso, mais cedo ou mais tarde, ele nos força a revisar nossas escolhas, rotas e prioridades. É um bem silencioso, muitas vezes negligenciado, mas que, ao final, se revela como o mais determinante de todos.
Costumo dizer que, ao elaborar uma declaração de espólio — especialmente quando há muitos bens envolvidos — enfrentamos um paradoxo inevitável: qual é o verdadeiro valor da vida daquela pessoa? Nenhum imóvel ou aplicação financeira traduz os momentos vividos, os vínculos criados, ou as memórias que deixaram marca.
Na prática contábil, lidamos diariamente com números que precisam fechar, saldos que devem bater e relatórios que precisam refletir a realidade econômica de uma pessoa ou empresa. Mas há uma pergunta que sempre retorna, silenciosa e inevitável: quanto vale? E não me refiro aos ativos tangíveis ou aos tributos devidos, mas àquilo que nenhum balanço é capaz de mensurar com exatidão.
Nos negócios, é natural que nos preocupemos com performance, crescimento e rentabilidade. Mas será que temos aplicado o mesmo cuidado àquilo que nos é mais escasso? Será que estamos dedicando energia suficiente às pessoas que amamos, aos momentos que realmente importam?
Há uma frase que gosto muito, dita por Jesus no Evangelho de Mateus (6,19-20):
“Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem consomem, e onde os ladrões arrombam e roubam. Mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não arrombam nem roubam.”
Essa passagem nos convida a pensar que, mais do que acumular, é preciso viver. E viver bem, com presença e propósito.
Que esse período de análises, números e prazos sirva também como um convite à introspecção. Que possamos revisar não apenas nossa declaração de bens, mas também nosso balanço pessoal. E que não deixemos para depois o que merece ser vivido agora — com quem faz a vida valer a pena.
Na contabilidade da vida, o maior ativo que temos é o tempo.